
Existe um tipo especial de fome que só aparece à noite: aquela que transforma qualquer pessoa em uma mistura de filósofo com fiscal de entrega. A imagem mostra exatamente esse espírito brasileiro, onde a compaixão até existe, mas perde feio quando disputa contra o estômago. Nada mais nacional do que ouvir que o entregador teve a moto roubada e, segundos depois, a mente já processar a verdadeira tragédia: o lanche não vai chegar. É uma lógica quase poética. O drama humano é lamentado, claro, mas a indignação real nasce mesmo é do sanduíche que não verá a luz do dia.
E a naturalidade com que a fome se sobrepõe ao caos é genial. O entregador avisando o apocalipse, pedindo desculpas pela vida, e o cliente já fazendo cálculos emocionais sobre a ausência do hambúrguer. É o Brasil funcionando em sua forma mais pura: empatia seletiva, prioridades gastronômicas e uma fé cega de que, no fim, tudo dá certo… ou pelo menos deveria dar certo até a hora do lanche.






